Apontamentos sobre a necessidade e o desejo de atear fogo à pós-modernidade

N.T. : O seguinte texto foi editado no território espanhol pelos companheiros do taller de investigaciones subversivas UHP. Mais textos deste grupo e a sua fanzine “Enajenados” poderão se encontrados (em castelhano) no seguinte endereço: http://www.bsquero.net/textos

 

Enjoativo sem duvida isso da pós-modernidade, já sabemos que muitos enchem a boca com esta palavra: professores universitários, alunos, intelectuais profissionais, pequenos gurus revolucionários… parece que o termo assenta bem, que destila um certo respeito. Da nossa parte, sem crer que os textos sobre a pós-modernidade tenham uma especial transcendência (no fundo, a maior parte, agudizam e adaptam a novos contextos, criticas já antes existentes), pensamos que utilizam conceitos e descrições que podem e devem ser utilizados hoje em dia na elaboração de uma teoria e prática revolucionárias. Por isso decidimos atribuir-lhes um valor de uso, porque cremos serem úteis no momento de analisar as transformações do Estado e do Capital. Mas atenção, não queremos que esta análise sirva para irmos dormir com as ideias mais claras e com o nosso ego um bocadinho mais fortalecido (quanto lemos, que inteligentes somos…) tal e qual como costumam fazer todos esses auto-proclamados “cérebros” da contestação que por aí andam. A nossa análise teórica implica, sem concessões, uma práxis: procuramos um conhecimento íntimo da realidade na qual vivemos (morremos) para assaltar-la e acabar com ela, podendo assim passar à construção de um mundo no qual nos seja possível decidir sobre as nossas próprias condições de existência.

Aceitemos então, que o eixo à volta do qual gira a sociedade pós-moderna já não é, tal como foi na modernidade, a produção, senão que agora é a comunicação (no seu sentido restringido de transferência de informação) e a rapidez com que esta se possa dar. A passagem de um tipo de sociedade a outra dá-se quando deixa de ser possível falar da história como algo unitário, quando os acontecimentos deixam de ser ordenados em torno a um centro determinado. Então, parte-se em pedaços a narrativa que organizava o espaço tendo como única referencia o Ocidente (ou incluso, um Ocidente concreto se se preferir), e o tempo baseado numa concepção linear da história unitária… a totalidade dá lugar à fragmentação, à dissolução dos centros. Esta referencia ao fenómeno da dispersão, ao adeus à história hegeliana que tinha em vista uma meta final reconhecível e a consequente desintegração das legitimações modernas, são as obsessões dos pensadores que falam da pós-modernidade

Uma das transformações fundamentais que se produzem nesta mudança é a do saber: enquanto que na modernidade o saber está associado à formação do sujeito, na pós-modernidade passa a ser uma oferta mais entre o produtos que o mercado apresenta prontos a serem consumidos. Dado que, tal como se disse anteriormente, a sociedade pós-moderna é a sociedade da comunicação, o saber acaba, também, por definir-se segundo os parâmetros deste processo no qual o valor que prima é o valor de troca. Fora já do estado histórico prévio, e com o predomínio absoluto da pragmática (o qual supõe, que a legitimidade de uma acção seja atribuída exclusivamente pelos efeitos que produza, ou seja: pelo que, na linguagem rebuscada dos amos, se atribuiu o nome de performatividade), o saber constitui-se como principal força de poder, como instrumento de controlo do meio e das relações entre indivíduos ou grupos dentro do sistema.

Ao não poder,evidentemente, existir a comunicação desinteressada e horizontal (essa pela qual há que lutar e que é condição necessária para acabar com a alienação) numa sociedade performativa, as relações entre as pessoas acabam por funcionar de tal maneira que, por trás de cada mensagem emitida existe uma determinada jogada, sendo a relação determinante, entre os distintos jogadores, a da competição. As jogadas são estratégias para ganhar, os jogadores não são outra coisa que simples competidores e os actos comunicativos – definitivamente – são somente actos pragmáticos. O que realmente importa é a eficácia que se retire de cada acção… se se é alguma coisa, será pelas vantagens que se possam extrair daí e não pelo prazer de ser-lo.

Dentro deste contexto, uma das coisas que mais nos interessa é o facto da técnica se revelar como o modelo da performatividade, o saber que prima é um saber aplicado, e próprio de especialistas, que constrói mercadorias (no sentido mais amplio do termo, e não somente tendo em conta os artefactos) em função da sua operatividade. Este saber encontra-se totalmente separado da vida quotidiana, é-nos estranho, e anula essa capacidade que os operários de tempos passados tinham para, a partir dos seus próprios ofícios, intuir a possibilidade de auto-gerir a totalidade da vida; em definitiva, o saber com o qual nos deparamos hoje permite a divisão da sociedade entre decisores e executantes, uma fina matização da eterna relação entre exploradores e explorados: o que faz está às ordens daquele que possui o saber. O ferro e o sangue provocavam indignação e revolta; a anestesia informativa, a miséria sobre-equipada ou a rotina acinzentada do trabalhador de escritório, dão lugar a um planeta rentável habitado por zombies. A relação descrita rompe a contingência da acção, pretende que seja a necessidade quem a reja, finalmente assimilando-a à fabricação. A técnica impõe-se: a acção acaba por ser fabricar algo da forma más eficiente e rentável. Ao separar-se cada vez mais o saber e o fazer, domina aquele que é efectivo, já não o “eu penso” mas sim o “eu posso”.

Na chamada pós-modernidade, a técnica autonomizou-se como sistema, seguindo, no seu desenvolvimento, as suas próprias leis. Sendo a performatividade o seu elemento chave, trata-se de um sistema estabelecido a-priori e cujos progressos estão totalmente determinados…uma e outra vez, a história contradiz aqueles que se ocuparam – e ainda hoje se ocupam – em proclamar o carácter libertador da técnica: longe de cumprir qualquer função emancipadora, encarregou-se de submeter a humanidade aos seus preceitos de efectividade e rentabilidade. Que o desenvolvimento tecnológico dê lugar a ferramentas que possam ser utilizadas em processos de libertação, está longe de significar que esse mesmo desenvolvimento vá possibilitar a destruição do sistema que o proporcionou. Os distintos desenvolvimentos tecnológicos dos últimos 70 anos são, precisamente, os que se encarregaram de redefinir e optimizar os mecanismo de exploração e de dominação. Torna-se imprescindível a análise destes desenvolvimentos dentro do conflito social, os caminhos do confronto deverão ter em conta -por exemplo- que os constantes avanços tecnológicos já não apontam tanto à simples facturação de bens como ao desenvolvimento de meios de controlo social e à produção imaterial que permite a (sempre pressuposta, mas até ao momento devastadora) expansão ilimitada do Capital.

Se por um lado é verdade que o que nos ocupa não é outra coisa que a luta histórica entre possuidores e os desapossados, haveria que atender à realidade actual de que as classes dominantes já não se definem tanto pela posse dos meios de produção e quantidades exorbitantes de bens, mas sim pela posse de um conhecimento especializado que lhes permite participar no funcionamento do poder. Este conhecimento tecnológico trabalha pela redução da potencia real de entendimento entre os explorados (ao fim e ao cabo, os excluídos de dito conhecimento), pela criação de um individuo operativo que sabe o que fazer dentro do perímetro do cubículo que lhe foi outorgado pelo Capital, mas que nada compreende para além disso…ou seja: trabalha pelo aperfeiçoamento do espectáculo, para uma sociedade falsificada que foi construída sobre imagens, e na qual a submissão do homem é alcançada através de satisfações que não são nada mais que reflexos banais e distorcidos da verdadeira satisfação de viver uma vida que não seja governada por nenhuma autoridade. Por outro lado, os efeitos do abuso desenfreado que os amos fazem do desenvolvimento tecnológico têm consequências evidentes e desastrosas sobre o habitat humano. Consideramos, então, que ambas as características deste conhecimento: tanto a sua contribuição à alienação como a espoliação selvagem do planeta inteiro que leva a cabo, não são meras consequências resultantes do seu “mau” uso, mas sim componentes essenciais da definição do sistema tecnológico. Por isso não acreditamos na sua reciclagem, e muito menos na sua potencialidade redentora…

Então não nos enganemos, frente à lógica do sistema não se poderá opor os seus próprios produtos. As inovações tecnológicas não implicarão, por si mesmas, a crise da cultura ocidental, e sim pelo contrário, o seu fortalecimento, ou se se der o caso, a aniquilação do planeta. Entrados no séc. XXI parece que o ciborg não foi o bilhete de saída do pesadelo pós-moderno -tal como algumas pensadoras defenderam-, aquela previsão omitiu que a tecnologia existente possui a sua própria linguagem, e que esta -independentemente de que fossem sujeitos revolucionários a fazer uso dela- foi configurada para produzir o maior número de benefícios ao poder que a criou. Por isso mesmo: porque no reino da performatividade não existe a inocência; afirmar que o potencial tecnológico vai ser o próprio desencadeador da caída do Todo e da sua homogeneidade, é um acto de entusiasmada ignorância…os que, na luta anti-capitalista, depositam todas as suas esperanças nas máquinas, ignoram que o mundo pós-moderno (por estar definido segundo os parâmetros que já tentamos explicar) jamais desencadearia uma potencia que em si mesma pudesse supor a sua própria destruição.

A verdadeira subversão consiste em procurar o futuro não previsível num tempo em que se pretende tudo prever, consiste em encontrar aquilo que, precisamente, escapa ao programado pelas suas maquinas. Nesta guerra contra a totalidade, daremos um valor de uso a todos aqueles materiais que sejam susceptíveis de ser utilizados no nosso assalto aos céus… no entanto, não cairemos nos erros do passado, e por tanto não sacralizaremos nenhum meio dos quais nos apropriemos (nem a gasolina e o fogo, nem as rádios livres, nem a ocupação, nem a informática,…) somente assim não construiremos um novo gueto do qual não possamos sair -graças à cegueira que, vária vezes no passado, alegremente aceitsmos-. Ao não depender estrategicamente de nenhum elemento chave, e sendo capazes de jogar com todos eles, tornar-nos-emos mais fortes e as nossas possibilidades na hora de atacar multiplicar-se-ão. Por outro lado, combateremos a especialização dentro de nós mesmas, pois não deixaremos a nossa capacidade ofensiva nas mãos de nenhum técnico.

Dado que, o que legitima hoje em dia não é a argumentação que convence mas sim o poder que funciona, não nos equivocamos quando afirmamos que erraram aqueles que defendem o diálogo e o consenso nos dias de hoje. A sociedade a que se chegou não é uma consequência da capacidade de dialogar e argumentar dos homens e das mulheres, e da mesma maneira, o seu fim não virá através dessa capacidade. Hoje, o consenso é estabelecido pelo próprio funcionamento da estrutura capitalista, não se aceita porque se pensou e se tenha chegado a uma conclusão de que é “bom”, mas sim porque as leis do sistema dentro do qual se gerou fazem-no funcionar sem que pareça haver lugar ao seu questionamento. O avanço e a consolidação do pesadelo orwelliano, tem a sua ratificação mais clara no desdobramento dos media capitalistas e da sua propaganda para afirmar que com a caída do muro, nunca mais poderia ser 1984. Como se falássemos de um amor adolescente, hoje é já 1984, e, no entanto, é-lo menos do que amanhã será. A democracia, valor absoluto e indiscutível das sociedades pós-industriais, não é mais do que um resultado da própria dinâmica do mercado e das soluções eleitas para a satisfação das suas necessidades (das quais a primeira é a estabilidade, o que supõe a inevitável supressão da ameaça proletária). Assim funciona a pragmática mercantil: o equilíbrio chega pela eliminação das diferenças, quanto mais homogéneos são os elementos que configuram a sociedade, melhor esta funciona.

Uma teoria e prática revolucionárias devem compreender o mundo ao qual se enfrentam, para serem capazes de fazer ir pelos ares as suas contradições e para gerar situações que permitam a sua aniquilação. Vivemos no meio de uma circulação compulsiva de imagens nas quais não há nada que ver, vivemos num sistema que funciona não tanto graças à mais-valia da mercadoria mas à mais-valia estética do símbolo. A realidade é um ir e vir de representações que parecem condenar o homem à mais pura apatia, que o hipnotizam ao mesmo tempo que o mutilam, que impossibilitam o desenvolvimento da sua própria autonomia. A nossa intenção não deve ser outra que a de conseguir desatar conflitos que projectem a possibilidade de comunicar fora de todos esses códigos já codificados; de propagar, dentro da organização social existente, uma massa de desejos que ela mesma não seja capaz de satisfazer.

Por tanto, parece-nos claro que o mundo que queremos destruir deve deixar de ser combatido nos seus próprios termos. Quem continua a actuar assim depois de tanta porrada levada, só o pode fazer por duas razões: ou está a tentar subir na organização social para alcançar algum privilégio graças à sua condição de contestatário (e todos sabemos que lado está e o que merece), ou então, é um ignorante que desconhece uma premissa básica da revolução: O poder só dialoga com o que lhe pertence.

As nossas possibilidades de vitória passam por pôr em jogo uma linguagem e uma lógica próprias, construir um discurso que verdadeiramente se configure como alteridade absoluta e contrapoder do discurso totalizador. Entre ambos não poderá existir nenhum tipo de diálogo ou transacção pois, ao não existir homologia não há hipótese de tradução. O resultado -assuste a quem assustar- não pode ser outro que o choque frontal entre os sujeitos em rebelião, armados no processo de auto-valorização que iniciaram, e a prepotência totalizadora da realidade do consenso. Esse choque não poderá significar outra coisa que ruptura, seccionamento sem a menor possibilidade de reforma e melhoria… ou seja: violência, sabotagem, poesia. O uso da diferença, a via de escape que nos permita sair desta realidade consensual.

O activar da dissidência supõe romper com a angústia duma sociedade na qual a auto-alienação acabou por ser a regra… viver sendo conscientes de que nos encontramos envolvidos numa guerra será sempre melhor que exercer o oficio de existentes, que viver um tempo do qual só se pode desejar o seu fim. Queremos responder com um “sim” em chamas a essa pergunta que não nos sai da cabeça: Realmente haverá vida antes da morte?. Frente à totalidade, somente sendo cruéis poderemos iniciar caminhos de libertação e prazer. Em frente, custe o que custar!

Conhecemos de antemão o discurso da moda (made in Italy), que apressadamente etiqueta a necessidade de insurreição sob o qualificativo de “metafísica da violência”; aqueles que, precisamente, mais se referem à complexidade da sociedade actual, parecem ser, ao mesmo tempo, os que ostentam uma maior simplicidade mental… por mais que falem os líderes dos fóruns sociais, ou por mais artigos sisudos que escrevam certas glórias intelectuais de revoluções passadas -numa ânsia desmesurada de encontrar algum protagonismo nos dias de hoje-, não cairemos na renuncia das nossa próprias possibilidades e potencias. Não aceitaremos o pacifismo radical, nem a não-violência civil, nem a resistência legalista através da democracia, nem absurdos semelhantes. A violência não é nada, e muito menos uma etiqueta: é algo que sempre aqui esteve, junto a nós. A maior parte das vezes para sofrer-la, e em algumas ocasiões para praticar-la, como defesa, como ataque; escapa por si mesma aos discursos morais daqueles que pretendem canalizar a revolta onde que quer que esta se dê. É algo que nos é inerente, e que, por tanto, não pretendemos rejeitar, assim como não rejeitamos o uso de intelecto ou da nossa maltratada criatividade. Era só o que nos faltava… amputar-nos ainda mais, reproduzir autonomamente (será esta a autonomia que procura tanto líder anti-globalista?) a mutilação capitalista. Não adoramos a violência, não nos masturbamos com pistolas e bombas, nem acreditamos que algum grupo armado transformará o presente. Apenas entendemos necessária, a máxima eficácia no uso da nossa força para destruir esta realidade.

Realmente, está na hora de fazer distinções contundentes, e deixar claro de uma vez por todas quem está pela destruição do capitalismo e quem não. Há que desmascarar todos os falsos detractores da civilização burguesa… os boa-onda, negociadores, aprendizes de politico, ONG’istas, neo social democratas, os apaga fogos… e não o faremos porque tenhamos a verdade revolucionária e pensemos que as suas “lutas” sejam inválidas, mas sim porque os consideramos como engrenagens activas e conscientes do sistema miserável que combatemos, ou, o que é igual: nem sequer acreditamos que “lutem” contra o que seja. Dizemo-lo sem meias medidas, são nossos inimigos. Estava certo quem disse que a passividade sempre precisou de guias e especialistas: quem grita que ainda não chegou o momento da revolta, revela-nos de antemão para que sociedade trabalha realmente. Sabemos, porque a história -a que se situa mais longe no tempo, e aquela que é mais recente- nos oferece amostras claras de que lado eles estão, que chegado o momento e se as condições o proporcionam (se vêm alguma oportunidade de lucrar com isso) nos venderão aos juízes, jornalistas e policias sem o mais mínimo escrúpulo. Estamos a exagerar? Abram os olhos senhores… ! E poderão ver a todos esses lutadores sociais, ao mesmo tempo que cantam aos quatro ventos as excelências e bondades de lutas violentas e armadas situadas longe no tempo ou no espaço (ou no tempo e no espaço simultaneamente), criticando e denunciando práticas revolucionárias que se desenvolvem nas suas cidades, nos seus próprios bairros, fazendo, deste modo, a distinção entre violentos e não-violentos, inocentes e culpados, protestos legítimos e ilegítimos. São os mais eficientes lacaios, realmente vão mais além da especialização, e cumprem, simultaneamente, a função da polícia, da televisão, da rádio e dos jornais… são os que abrem caminho à repressão, e a única coisa que merecem é o nosso desprezo e a nossa raiva, nada mais para além disso. A nossa criatividade tem a formosa tarefa de desenterrar velhos conflitos ao mesmo tempo que saca da manga novos, e é consciente de que, ao trabalhar à margem da pragmática pós-moderna, está escrita num código de ilegalidade: aceitamos de bom grado o facto de sermos criminosos e estamos preparados para actuar como tais. Não entraremos na farsa de nos auto-justificarmos de que maneira seja, não temos que prestar contas dos nossos desejos a ninguém, somos conscientes de que enquanto a nossa luta não seja recuperável -o que é e será sempre o melhor sinal indicativo de que vamos pelo caminho correto-, ela será sistematicamente perseguida pela lei em todas as suas modalidades (policiais, estritamente judiciais, mediáticas,etc…).

A rebeldia entende a acção desde os antípodas da pós-modernidade, já não é acção enquanto fabrico, mas sim acção enquanto único caminho que nos resta para revelar a nossa qualidade de ser diferentes. Atrai-nos a ideia de ver o mundo como um tabuleiro, a expressão da nossa luta pode ser reduzida à tentativa de ser os melhores jogadores dentro dele. Começamos por compreender as regras que regem os movimentos dos jogadores-competidores, e então começamos a jogar-lo nós mesmos… determinamos as nossas próprias estratégias de acordo com os nossos fins e procuramos como saltar as normas que encontramos quando entramos no jogo. Somos conscientes que venceremos a partida quando o tabuleiro se estilhasse em mil pedaços, e começamos a fazer-lo determinando os nossos próprios movimentos longe de qualquer modelo de eficácia mercantil: actuamos por prazer, um prazer que aponta a uma vida plena e cheia de possibilidades. Não nos queremos comunicar com esta sociedade, já não há nada para falar entre ela e nós, queremos vê-la agonizar. Por isso, as nossas acções são a sua negação, não podem ser reorganizadas dentro das estruturas mercantis, não podem ser configuradas pelo capital como força produtiva própria. O nosso protesto não poderá ser transformado em mercadorias com as quais traficar ou pactuar; buscamos, sem mais demora, a satisfação das nossas desmedidas pretensões. São necessidades implícitas do ser humano, só que foram integradas numa sociedade falsa e foram falsificadas por ela. Nós intuímo-las e não nos deteremos até encontrar uma vida que seja capaz de satisfazer-las.

Num mundo no qual o mercado se afirma como único cenário da vida, o valor de troca é o único valor possível e, por tanto, a identificação total entre sociedade e Capital é algo consumado, a revolução só pode significar o desmantelamento definitivo do quotidiano miserável e banal, a libertação total das paixões e desejos reprimidos. Conformar-se com menos que isso é algo que não encaixa nos nossos pensamentos, já tivemos miséria suficiente…

Não trataremos de responder a todas as perguntas, jogaremos ao jogo de deixar-las todas feitas… trata-se de actuar quando todos praticam a espera, de dizer aquilo que o inimigo não pode prever, de estar onde ele não nos espera. A tarefa revolucionária de hoje em dia não é outra que arrancar os véus que cobrem as condições reais dos explorados, a criação definitiva da situação que possibilite o terceiro assalto proletário à sociedade de classes.

Na nossa negação reside a aurora…


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